Licença para Perfuração e os Alarmes Aumentando
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) concedeu, nesta segunda-feira (20), a licença para a perfuração de um poço no Bloco 59, localizado a 175 quilômetros da costa do Amapá, na bacia da Foz do Amazonas. Este é um marco, sendo a primeira licença liberada pelo órgão ambiental para a Margem Equatorial brasileira, que se estende do Amapá ao Rio Grande do Norte. A Petrobras já anunciou que as atividades de perfuração terão início imediato.
Este anúncio, porém, acendeu um sinal de alerta entre especialistas, principalmente a menos de um mês da COP30. A licença levanta sérias dúvidas sobre o compromisso do governo brasileiro em cumprir suas metas climáticas, que incluem uma redução gradual do uso de combustíveis fósseis.
“A emissão da licença para o Bloco 59 é uma dupla sabotagem. Primeiro, o governo brasileiro vai contra a humanidade ao promover a expansão de combustíveis fósseis, desconsiderando a ciência e apostando em um aquecimento global ainda maior”, afirmou Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, em comunicado à imprensa. “Além disso, essa decisão compromete a própria COP30, que deveria focar na eliminação gradual dos combustíveis fósseis”, completou.
Perigo de Precedente para a Região
De acordo com a equipe do Instituto Internacional Arayara, uma organização que atua na defesa do meio ambiente há 33 anos, permitir a perfuração do primeiro poço representa um precedente perigoso. Essa autorização pode abrir caminho para a exploração de outros 52 blocos na Margem Equatorial, ainda sem licenciamento, em uma estratégia que pode transformar uma das regiões mais sensíveis do planeta em um corredor de petróleo.
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Fonte: agazetadorio.com.br
As atividades na área aumentam a pressão sobre uma região que deve estar no centro dos debates sobre a preservação ambiental. A Margem Equatorial abriga a maior faixa de manguezais do mundo e o Grande Sistema de Recifes da Amazônia (GARS), que abrange aproximadamente 9.500 km², conectando os ecossistemas do Atlântico Sul ao Caribe. Um vazamento de óleo nessa área pode implicar riscos imensos para essa biodiversidade única.
Ameaças à Biodiversidade e Comunidades Locais
Apesar de existirem riscos mínimos de acidentes, a flora, a fauna e as comunidades tradicionais correm sérios perigos. O Instituto Arayara estima que a decisão do Ibama coloca em risco 78% da biodiversidade amazônica, atinge 2,7 milhões de indígenas e compromete 10 milhões de hectares de floresta, área equivalente a mais de um milhão de campos de futebol.
O pesquisador Carlos Nobre, copresidente do Painel Científico para a Amazônia, adverte que a Amazônia está se aproximando do ponto de não retorno — uma situação em que o bioma perde sua capacidade de se regenerar — caso o aquecimento global atinja 2°C e o desmatamento exceda 20%.
Para evitar essa tragédia, segundo Nobre, é crucial “zerar o desmatamento, a degradação e os incêndios na Amazônia, além de reduzir todas as emissões de combustíveis fósseis”. Ele ainda acrescenta: “Nenhuma justificativa pode sustentar a exploração de novos poços de petróleo. É essencial deixar rapidamente os combustíveis fósseis atualmente em exploração”.
Impactos Além do Vazamento
A exploração dos blocos de petróleo na Foz do Amazonas traz riscos que vão além dos vazamentos e derramamentos de óleo nas diversas etapas da exploração e produção. “Os impactos da exploração não se restringem a incidentes. O petróleo gera danos desde sua busca”, esclareceu Kerlem Carvalho, oceanógrafa e coordenadora de oceanos da Arayara.
A abertura de estradas para facilitar o transporte intensifica a vulnerabilidade da região ao desmatamento. O Arayara lista diversos prejuízos, incluindo a poluição das águas e os efeitos sobre a vida marinha, que inclui a poluição sonora e os vazamentos de navios-tanques.
Além disso, o tráfego intenso de grandes embarcações compromete a subsistência de pescadores artesanais e comunidades ribeirinhas. “Essa licença não é neutra. Ela integra um projeto de morte que avança sobre a Amazônia, seguindo a lógica de exploração desenfreada e deixando um rastro de destruição”, lamentou Sila Mesquita, coordenadora-geral da Rede de Trabalho Amazônico (GTA), movimento que reúne dezesseis coletivos regionais em nove estados da Amazônia.
“Nós, povos da floresta, mulheres, ribeirinhos, indígenas e quilombolas, não aceitamos mais sermos tratados como território de sacrifício em nome de um progresso que nunca nos inclui”, enfatizou.
Defesa da Licença e Uso dos Recursos
A Federação Única dos Petroleiros (FUP) defendeu a licença, afirmando que foi concedida “após intensos diálogos entre o Ibama e a Petrobras”. A entidade destacou que parte dos recursos obtidos com a exploração do petróleo será destinada à transição energética.
“Reforçamos a importância do projeto de lei [PL 4184/2025] que tramita no Congresso Nacional, que se propõe a utilizar esses recursos na região, além da criação de fundos subnacionais para garantir que essa riqueza beneficie o Norte e Nordeste do país, onde os índices de desenvolvimento humano são alarmantes”, afirmou Deyvid Bacelar, coordenador-geral da federação.
O PL 4184/2025 estabelece um Regime Especial de Partilha de Produção de Petróleo e Gás Natural na Margem Equatorial Brasileira, com a destinação exclusiva dos recursos públicos para a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável das regiões Norte e Nordeste.
O Ibama, em nota, ressaltou que a licença foi emitida após um rigoroso processo de licenciamento ambiental, que se seguiu a três negativas anteriores. Essa aprovação desperta diversas discussões sobre os impactos reais e os riscos associados à exploração na Amazônia.